ESPOSENDE E O SEU CONCELHO


sábado, 4 de julho de 2015

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR

por Carlos Barros
O Toninho pedinchão”.

O Toninho “Anão” (António José Barros Neto) percorria, numa fase inicial, Esposende lés-a-lés, passando a “pente fino”, todos os cafés das redondezas como a Havaneza, Nélia e Primorosa e alguns tascos onde apareciam os “lavradores ricos” das aldeias. O Toninho sempre na sua missão de peditório, ia pedindo a esmolinha da ordem, com uma “carinha de meter dó” para melhor convencer os incautos.
O Toninho metia-se nas camionetas da “Viúva”- Auto da Viação do Minho, Ldª- ou do Linhares- Caetano Cascão Linhares- e pedia dinheiro aos passageiros ou dirigia-se para os locais mais “lucrativos”, onde era pouco conhecido, como em Viana do Castelo e Barcelos, aqui às quintas-feiras, dias de feira. Chegou-se a aventurar-se em incursões a Braga mas, esta cidade era muito confusa para o nosso amigo Toninho, como uma vez me confessou.
Um dia, ele estava na mercearia/armazém e tasca do Abílio Coutinho, bebendo uma malguinha muito à pressa, não vá o Carlinhos aparecer, que sempre lhe negava o vinho, e meteu-se à socapa, dentro da Camioneta da “Viúva” que acabara de chegar para entregar as encomendas no Coutinho, que era o local de recepção das mesmas. O Lourenço com as suas “lunetas” já carcomidas pelo tempo, era o principal distribuidor dessas encomendas: Farmácias Monteiro e Gomes…
Durante a viagem para Viana do Castelo, o Toninho, que era muito pequenino, meteu-se debaixo de um banco e permaneceu escondido durante toda o percurso, sob a cumplicidade de alguns passageiros que o protegeram, já que o conheciam bem, doutras “aventuras peditórias”.
A camioneta mal chegou a Viana do Castelo, o Toninho saiu “disparado” do banco e foi em direcção à marginal da cidade para percorrer os cafés no seu “afã” de pedincha,  visitando as  “capelas do Loureiro”- tascas- que lhe iam aparecendo pela frente. 
No campo da feira, entrou numa taberna e, com os bolsos recheados, mandou vir umas iscas de bacalhau frito, dois trigos e a habitual tigela de vinho tinto carrascão, que lhe soube pela vida. Naturalmente, não foi apenas uma tigela de vinho, outras se  lhe seguiram…
O Toninho dirigiu-se pacatamente e a deambular, para o escritório das camionetas da “Viúva” e, com tanto azar, perdeu-a e não havia mais nenhum autocarro para Esposende, perante o desespero do Toninho que esbracejava e protestava contra tudo e contra todos….
Bem, só tenho uma solução, murmurava o nosso amigo para os seus “botões”!... O Toninho foi para o cais de Viana para arranjar boleia numa motora de Esposende e, por mero acaso, o Tio David estava a chegar do mar, com a sua Cláudia Cristina, motora de quatro cilindros com um potente motor dinamarquês “Buick”, com a matrícula “ES 86 C”. O senhor David, olhou para o paredão e disse para os seus tripulantes:
-Olha quem está ali, é o Toninho Anão! Já deve estar “com os copos”….
Toninho, o que queres, perguntou o mestre David, ao nosso “artista”, perante os olhares do Milinho e do Tone Fifas.
Quero boleia para Esposende senhor David, pediu o Toninho choramingando…
O mestre olhou para a tripulação e meditou, numa  rápida reflexão.
É uma grande responsabilidade levar o Toninho naquele estado e se cai ao mar, estamos perdidos, confessou o senhor David para os seus tripulantes ….O Alfredo Morrossol levantou o braço e disse:
Eu não quero problemas porque o Anão não é de confiar….
O Tião Saganito, o Agostinho e o Milo acenaram para o senhor David para deixar entrar o Toninho para a motora.
Vamos arriscar, disse o Milo, ameaçando o Toninho com uns “caroques”….
Toninho, entra mas vais amarrado ao alador para não caires ao mar porque a mar está “alto” e não quero arriscar, disse o  mestre David ao Toninho que cambaleava no convés, amarrado à casa do leme…
Ó Milo, guarda-me estas moedas porque tenho o bolso roto, pediu o Toninho ao seu amigo! O mestre David que estava junto a uma caixa de lagostas e lavagantes, olhou de lado para o Toninho e disse-lhe:
Seu malandro, nem em mim confias precisavas é que te pusesse ao mar!
Passadas umas horas, depois de descarregado o peixe para a lota, a motora partiu com toda a sua tripulação para Esposende e durante a viagem o Toninho dormiu profundamente, nem a agitação forte das ondas, o acordava.
A motora Claúdia Cristina “aportou” junto ao Salva-vidas, onde estavam os irmãos Miquelinos a conversar sobre o jogo Norte-Sul em que os Sulistas , tinha vencido por quatro bolas a uma em que o árbitro “Touca Branca” fez uma arbitragem polémica, como  foi sempre do seu timbre….
O Toninho foi desapertado das cordas do alador pelo Alfredo Morrossol e levado ao colo pelo Tone Fifas, para o cais e o Milo  entregou-lhe todo o dinheiro do peditório do dia.
Quando menos se fazia esperar, o Toninho começou a injuriar o senhor David e toda a tripulação, afirmando que lhe tinham roubado o dinheiro, numa gritaria que ecoou ao longo da Ribeira até à Alfandega Marítima de Esposende, onde se encontravam o senhor Torres e o Lima, duas autoridades marítimas, -guardas-  a conversarem à porta da Delegação,  sobre os negócios da  Teresa do Castelo que nesse dia, tinha comprado muitos quilos de lavagantes e lagostas que foram pesados na loja do Abílio Coutinho pelo Carlinhos que recebeu, como oferta, um pequeno lavagante, que mais tarde, foi cozido pela Tia Alice  na máquina a petróleo e comido à mesa pelo Carlinhos e o “cheiro” ficou para os tios…. O tamanho do marisco não dava para mais!
A Teresa do Castelo, com o seu poderoso porte atlético, e com as suas pulseiras e cordões de oiro a ornamentar os seus pulsos e pescoço, agradeceu à tia Alice e ao Carlinhos pela pesagem e na sua carrinha, com o marido a conduzir, foi em direcção a Viana do Castelo para deixar o marisco aos seus clientes.
No cais pairava a confusão com a gritaria do Toninho que não parava de protestar, chegando mesmo a pegar em “pilado” que estava num monte, junto ao paredão, atirando-o para dentro da motora.
Seu vadio, seu corrécio, para a próxima vez, anda-me pedir boleia que vais ver, ameaçou o mestre David ao Toninho que foi  abandonando a ribeira,  fazendo-lhe caretas provocadoras.
O Toninho regressou, com sacrifício, à sua modesta residência, no bairro das Casas de S. Vicente de Paulo e mal entrou em casa, pelo quintal, em passada “sorrateira”, guardou o dinheiro debaixo do colchão de colmo, num dos quartos de dormir  “colectivos” e  “caiu como um tordo”, ficando a dormir  “até às tantas”…..
No dia seguinte, o Toninho “Anão” já estava em forma e pelas onze da manhã, entrou na Nélia e começou a pedir cinco croas ao Dr. Francisco Marques que estava a engraxar os sapatos no senhor Guimarães, e a outros clientes de Barcelos e de Braga mas, teve que acelerar porque o senhor João Tamanqueiro, empregado de mesa,  tinha-o detectado e a única solução era a fuga para poupar as orelhas….
O Oliveira e o Benjamim “Come croas”, empregados da Nélia, estavam a servir noutra zona do café e não ameaçavam perigo para o Toninho. O Adriano, filho do senhor Adelino das camionetes do Linhares, no Snack-Bar, chamou pelo Toninho, deu-lhe dois rissóis de camarão e de bacalhau do dia anterior, na condição do Toninho sair dalí, porque parecia mal pedir…
Com os rissóis na mão o Toninho desapareceu e foi “atacar” na Havaneza mas, o Jerónimo não lhe deu hipóteses e só lhe restou “imigrar” para uma nova viagem, agora para Barcelos, sempre clandestinamente, sem pagar bilhete porque o Toninho tinha sempre dinheiro, mas quando era preciso pagar algo, ele “nunca tinha dinheiro”.
Precisamente no dia doze de maio de mil novecentos e oitenta e cinco, numa tarde trágica, o nosso amigo caiu de uma “marquise”, no Bairro de Sucupira e “deixou-nos” para sempre um acontecimento que entristeceu todos os esposendenses e a família em particular. Todos nós reconhecemos que o Toninho fazia muita falta aos Esposendenses porque era uma pessoa especial e “castiça”  e pessoalmente, nunca aquele rapazinho, foi mal educado para o “BÓIAS”, e eu que tive muitos e muitos contactos com este amiguinho no café, no armazém-mercearia-tasco do meu Tio Abílio Curvão ou mesmo em plena via pública!

Uma coisa é certa: nunca lhe servi uma malga de vinho ao Toninho, apesar de me pedir muitas vezes! Fui sempre seu defensor pelas boas causas e cheguei mesmo a dar-lhe algumas explicações, quando estava na Escola Primária, tentando que ele regressasse aos estudos mas, perdi e fui derrotado pela teimosia do Toninho porque a Escola para ele, não era vida
Carlos Barros
“Pescador de histórias”