ESPOSENDE E O SEU CONCELHO


sábado, 25 de abril de 2015

Sessão solene do 25 de Abril - Intervenção de "Os Verdes"


Intervenção da
Deputada Heloísa Apolónia (PEV)
Sessão solene do 25 de Abril
25 de Abril de 2015


Senhor Presidente da República,
Senhora Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro Ministro e demais membros do Governo,
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,
Senhoras e Senhores Deputados,
Estimadas e estimados convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Se o 25 de Abril foi, nas palavras de Sophia de Mello Breyner, «Como casa limpa / como chão varrido / como porta aberta», poderemos nós admitir que se impregnem nódoas, manchas de sujidade sobre a democracia que os capitães de Abril e o povo conquistaram para Portugal?


Permitam-me que precise esta interrogação. Com o 25 de abril as palavras, as ideias, a intervenção ativa na sociedade, até então oprimidas pelo regime fascista, ganharam asas, cor e resultados. Foram, então, reivindicados e conquistados inúmeros direitos sociais e o povo era construtor desse progresso. Agora, vejam bem que, há algumas semanas, o Grupo Parlamentar dos Verdes recebeu uma denúncia, sobre uma questão laboral de um serviço público, de uma pessoa que colocava desesperadamente o seu problema aos eleitos e pedia ação junto do Governo para a sua resolução. Era estranhamente uma denúncia onde a pessoa não se identificava, questão justificada, pela própria, por medo de perder o emprego. Por medo de perder o emprego! Não foi a primeira denúncia anónima a chegar nestes termos ultimamente ao Parlamento. Hoje, que aqui na Assembleia da República comemoramos o 25 de abril, a pergunta que se impõe é: o que é que se passa neste país 41 anos depois do 25 de abril?

Também há relativamente poucos dias os Verdes estiveram, como é habitual, num encontro com população, onde um homem afirmou que, tendo querido, não tinha ousado participar numa ação pública de esclarecimento porque receava que viessem a identificá-lo como uma voz reivindicativa na sua empresa. Pergunta-se: onde é que chegámos 41 anos depois do 25 de abril?

E, não há muito tempo, o PEV esteve em contacto com um grupo de pessoas, onde uma mulher garantia estar absolutamente solidária com greves feitas, que respondem ao ataque à dignidade de pessoas trabalhadoras, mas que ela não exerceu o seu direito à greve porque poderia perder o emprego. Pergunta-se: para onde nos estão a conduzir 41 anos depois do 25 de abril?

Não façamos de conta que estas realidades não existem. A democracia não vive sustentada no medo de intervir. Hoje estão aqui representados todos os órgãos de soberania e um conjunto vasto de entidades com elevadas responsabilidades e é preciso que se diga que a lógica do medo não pode, jamais, retomar lugar neste país. Que é preciso proceder para que o medo do exercício das mais elementares liberdades não ganhe espaço.

E que ninguém duvide que a precariedade do trabalho, a facilitação do despedimento e os altos níveis de desemprego são das maiores causas dos casos que aqui relatei. Combater a precariedade e a lógica do despedimento fácil é, então, clamar pela liberdade das mulheres e dos homens que trabalham. E a liberdade é dos mais altos valores de Abril.

Nestas circunstâncias, permitam que a primeira saudação dos Verdes, nesta sessão do 25 de abril, seja dirigida a todas as mulheres e homens que rompem medos e silenciamentos e se erguem e empreendem a luta pela dignidade de um povo inteiro. São muitas mulheres e homens que trabalham arduamente, são muitos desempregados que querem tanto trabalhar e ajudar o país a produzir, são também muitos reformados que deram e dão tanto ao país, são ainda tantos jovens procurando garantir futuro. São todos os que recusando amarras, usam a expressão livre do descontentamento em relação a políticas degradantes da vida de tantas pessoas e reclamam alternativas de dignidade.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quebrando a hedionda desigualdade institucionalizada pelo fascismo, o 25 de abril foi também a criação do horizonte da justiça social, onde não havia o direito a que uns nada tivessem para que outros tivessem tudo. Deram-se, nessa altura, passos imensos na promoção da igualdade social, com uma mais justa redistribuição da riqueza e com a criação de serviços públicos onde todos tinham lugar.

Contudo, sejamos honestos: muitas políticas que se vieram a praticar anos mais tarde, e estas que se estão a praticar atualmente, destroem muito do que se conquistou e estão a intensificar desigualdades sociais de uma forma absolutamente desconcertante. O fosso entre os mais ricos e os mais pobres está claramente a crescer. No momento em que se apregoava uma crise que servia de justificação para cortar tudo e mais alguma coisa, os ricos conseguiram ficar ainda mais ricos enquanto a generalidade da população empobreceu, tendo aumentado significativamente o número de pessoas em efetivo risco de pobreza.

E já foi anunciado que pretendem manter cortes nos rendimentos e aumento de impostos durante mais uma legislatura inteira, contrariando o que antes tinham dito. Mas depois encontram amplas margens para baixar rapidamente o IRC e eliminar a contribuição extraordinária do setor energético para as grandes empresas que têm lucros astronómicos. O que se diz que não há para uns, afinal há, e muito, para outros. A verdade é que quando se deixa de governar para o povo e se governa para elites e para grandes interesses económicos e financeiros, perde-se o horizonte da justiça social.

Evidencia-se aquilo para que o PEV alerta há muito: está-se a servir uma elite minoritária e, para que ela seja confortável e sucessivamente servida, pretende-se habituar o povo a um determinado nível de empobrecimento, a um baixo valor de rendimentos e a ter uma curta ambição de progresso social. Isto é inaceitável e, nestas circunstâncias, é um imperativo afirmar que a justiça social é dos mais importantes valores de abril. E é igualmente peça fulcral num processo de desenvolvimento sustentável.

Aqui chegados impõe-se outra pergunta: é justo que se peçam consensos à volta destas políticas negadoras de uma sociedade justa? É correto pedir acordos para se servirem elites e sacrificar o povo? É tolerável pedir entendimentos para garantir uma subserviência à União Europeia e para idolatrar o tratado orçamental que é um massacre para Portugal? Não, não é justo, nem correto, nem tolerável para o povo português.

O que os Verdes sentem que é devido dizer-se, aqui na Assembleia da República, no dia em que se assinala a revolução dos cravos, são duas questões relevantíssimas, que o 25 de abril nos ensinou para todo o sempre:
1º que não existem inevitabilidades em política, porque existem sempre soluções e políticas alternativas
2º que um povo não resignado é um povo com força para erguer a mudança.

Mas também é importante que se diga que a alternativa não pode ser fazer igual só que a um ritmo diferente, ou tirar um corte aqui para pôr outro corte acolá. A alternativa passa por ser realista e fazer diferente: assumir que esta dívida é insustentável e impulsionar a sua renegociação; perceber que não estar obcecado pelo défice não significa descontrolar as contas públicas; o investimento produtivo tem um retorno para essas contas públicas muito significativo; a dinamização da atividade produtiva é a forma de gerar riqueza no país e de garantir mercado para as empresas e, portanto, de gerar emprego, combatendo o desemprego já marcado estruturalmente nos dois dígitos; devolver rendimentos aos cidadãos é alavancar a economia; o património natural, traduzido num mar e em espaços de diversidade biológica e paisagística, é um potencial imenso para gerar inúmeros serviços e o desenvolvimento de atividades sustentáveis; acabar com os benefícios fiscais imorais para a alta finança é um imperativo; tal como travar este processo de privatizações - há setores que, de tão estruturantes e garantes de soberania, não devem ficar de fora da esfera pública.

A alternativa para este país é reganhar os valores de abril. Inspirarmo-nos naqueles jovens capitães de abril – a quem, em nome dos Verdes, quero daqui dirigir uma forte saudação – os quais ousaram dizer basta à ditadura fascista. E há alturas na história, quando a sociedade é profundamente machucada, com contornos diferentes é certo, onde também é preciso que o povo diga basta.

Minhas Senhoras o meus Senhores,

A alternativa para Portugal é agarrar os valores de Abril, para com esperança construir uma sociedade com lugar para todos. Nas palavras de Ary dos Santos, «O que é preciso é termos confiança / se fizermos de Maio a nossa lança / isto vai meus amigos isto vai.»


Viva o 25 de Abril!